terça-feira, 7 de agosto de 2012

Políticas Públicas de Segurança

A segurança, no quadro do Estado moderno, “diz respeito à defesa externa de Estado e à garantia da ordem a nível interno, abrangendo as pessoas singulares e colectivas que o constituam, ou que no seu âmbito actuem e ainda aos valores estabelecidos” (Lara, 2004, p. 281). Carlos Chaves, assessor do primeiro-ministro para os Assuntos de Segurança Nacional, destaca que o conceito de Segurança é, em si mesmo, actualmente o mais alargado conceito onde se insere o agora mais restrito conceito de Defesa” (Chaves, 2011, p. 18).

Num mundo cada vez mais global e interdependente, onde a palavra fronteira vai ficando sem significado e os Estados começam a perder a hegemonia nas Relações Internacionais, com organizações internacionais como a União Europeia e a Nações Unidas, regiões, organizações não governamentais, grandes grupos económicos e até redes terroristas a ditarem a agenda internacional, a segurança surge cada vez mais como uma preocupação dos cidadãos. Terrorismo indiscriminado, imigração ilegal, tráficos de vários tipos, crime organizado e ciberterrorismo são apenas alguns dos delitos que vão ganhando expressão na nova ordem mundial. Por outras palavras, deixou de fazer sentido falar em países seguros, ainda que os índices de criminalidade existentes nos mesmos sejam relativamente baixos, porque a incerteza e a instabilidade passaram a ser palavras de ordem em todo o mundo. “Pensar a segurança, na sociedade actual, leva-nos a pensar e problemas de segurança relacionados com os transportes públicos, o ambiente, a saúde, a alimentação (Nunes), mercados de energia (Bryce), segurança de reservas de água (Dillon), o crescimento demográfico e a engenharia genética (Perrow)”, como escreve Francisco Fonseca (Fonseca, 2010, p. 46).

Poder-se-á dizer que a segurança constitui o principal elemento do bem-estar social no mundo actual, porque sem ela não há espaço para uma verdadeira liberdade.

A preocupação da sociedade nesta área subdivide-se em três níveis que estão interligados: segurança nacional, segurança colectiva e segurança humana. Enquanto o primeiro refere-se a questões de defesa e de soberania do Estado, o segundo configura um conceito alargado que nasce da confluência de interesses da segurança pública e da segurança do Estado.

A globalização veio tornar mais evidente a relação entre segurança e o acesso a bens essenciais e daí resultou o recente conceito de segurança humana, no qual a segurança dos cidadãos se deve basear. Com efeito, esta ideia surgiu no final do século XX como resultado de conflitos internacionais, nos quais o fim da guerra deixou de ser suficiente para a verdadeira estabilidade do Estado. Ou seja, se as armas estiverem depostas, mas um país estiver submerso em epidemias ou fome, não se pode falar de segurança. Este novo conceito passa não só por criar sistemas políticos, sociais, económicos, entre outros, que garantam o respeito dos direitos humanos, mas também por fornecer às populações instrumentos para que elas aprendam o usar os seus recursos em sua defesa. Vale a pena dar conta da definição deste conceito que consta no Relatório da Comissão sobre Segurança Humana, criada na dependência do Secretário-geral da ONU: “A segurança humana completa a segurança do Estado, contribui para o exercício dos direitos do homem e reforça o desenvolvimento humano. Ela pretende proteger os cidadãos de um vasto conjunto de perigos para o indivíduo e para a colectividade e, para além disso, ela visa dar-lhes os meios de agir em nome próprio” (Santos, 2011 p. 71). Ou seja, quando se fala em segurança humana, não é tanto o Estado que está em causa, mas antes o indivíduo, cujo sentimento de insegurança não raras vezes está mais ligado a preocupações do dia-a-dia, como a perda do emprego, do que com uma guerra no mundo. Assim, ameaças como actos de terrorismo são uma questão também de segurança humana, já que afectam o bem-estar da população e põem em causa a estabilidade político-social de um país ou região. Malcolm McIntosh e Alan Hunter sublinham que, ao contrário da segurança humana, a segurança nacional é mais “um lema para a mobilização política do que um conceito analiticamente útil” e chega mesmo a ser usado para proteger o Estado de ameaças internas, descurando a segurança humana dos cidadãos desse Estado (McIntosh e Hunter, p, 10).

Em qualquer dos casos, neste cenário, o crescente decréscimo do peso do Estado enquanto entidade soberana nas Relações Internacionais tem levado a que o mesmo abdique da sua soberania para tratar dos problemas nacionais, como refere Beck (citado em Fonseca, 2010, p. 40). Isto é, perante ameaças transnacionais, os governos só conseguem ter verdadeira capacidade de resposta em parceria com outros países ou entidades supranacionais, sendo que, como em qualquer sector, as respostas têm de se ir adaptando a mudanças velozes e inesperadas. Tanto neste nível, como em ameaças de menor dimensão, o Estado tem de, cada vez mais, contar com o indivíduo num cenário em que a segurança funciona em rede.

As políticas públicas de segurança são “um conjunto, mais ou menos coerente de decisões e de medidas tomadas pelas instâncias políticas legítimas, cujo objectivo expressamente definido é o de fornecer, através da mobilização das instituições de segurança de regulação social e de outros parceiros públicos e privados, uma resposta efectiva às diversas formas de insegurança”, de acordo com a definição de Dieu (citado em Fonseca, 2010, p. 42). As palavra de ordem nas políticas públicas de Segurança são prevenção e descentralização.

Prevenção porque não cabe aos participantes nestas políticas fazer repressão em questões de segurança e, ainda que haja polícias envolvidos nesta dinâmica não é esse o papel que aqui lhes é pedido. Aliás, perante um fenómeno transnacional como o terrorismo, as políticas públicas devem actuar a montante, por exemplo, pela fixação de quotas para imigração, mecanismos mais rigorosos para a fixação no país, criação de infra-estruturas e meios de promoção de uma verdadeira integração dos imigrantes na sociedade, por forma a que situações de discriminação ou islamofobia não levem esses indivíduos a sentir que faz sentido unirem-se a uma rede terrorista e a  praticarem actos contra o país onde residem. Importa referir que neste caso, como em muitos outros, nos quais uma abordagem meramente securitária não resolve tudo, deve apostar-se numa confluência de políticas públicas de vários sectores, como segurança, educação e Segurança Social, para o mesmo objectivo. No sentido oposto, também “a prevenção e o combate à criminalidade global e a diminuição da insegurança e do medo do crime, particularmente em meio urbano, devem ser considerados como factores integrantes e essenciais à definição de políticas de desenvolvimento económico e social” (Lourenço citado em Santos, 2011, p. 75). Com efeito, é nos meios urbanos onde a necessidade de políticas públicas se faz mais sentir. Um cenário com realidades múltiplas, um verdadeiro melting pot, é o ideal para a emergência de guetos e de crimes e expressões de violência que não se adequariam a meios rurais.

Descentralização porque, como vimos acima, torna-se mais rentável para o Estado e até mais eficaz para o cidadão que entidades regionais, como autarquias, assumam o comando na aplicação de algumas políticas públicas de segurança. Um exemplo disso reside no programa Escola Segura, um policiamento de proximidade acordado directamente entre câmaras municipais e forças de segurança. Além disso, as autoridades regionais também dispõem de melhor conhecimento local  - resultante em grande medida do contacto directo com os cidadãos - para decidir qual as medidas específicas a aplicar no terreno e até o grau de eficácia das mesmas. A existência de “laços de comunicação” com os cidadãos é “de considerável valor para a prevenção e combate à criminalidade” (Pereira, 2009, p. 12).  Garcia Leandro frisa, numa altura em que as áreas de segurança militar, segurança interna e segurança (protecção) civil se sobrepõem, “tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo integrado ao nível da estratégia total (topo do Estado) até chegar, para o planeamento e execução, à autarquia, à empresa aos serviços, à escola, ao hospital, às estradas, portos e aeroportos, aos complexos desportivos, etc., até ao cidadão, de modo a que ninguém fique de fora. (Leandro, 2002, p. 116).

Quanto maior e mais diversificado (nas suas características físicas, mas também nas suas gentes) for um território, mais dificuldade têm os governos centrais em decidir medidas que, em alguns casos, pouca ou nenhuma interferência terão no melhoramento da qualidade de vida dos cidadãos. Esta estratégia sai mais onerosa e incorre no risco de ser alvo de mais críticas do cidadão consciente dos impostos que paga. Por outras palavras, a solução que deverá resultar numa maior eficácia passará pela definição de estratégias a nível nacional, com base num conjunto de opiniões e estudos, como por exemplo a aposta no policiamento de proximidade, sendo depois a sua aplicação avaliada quase rua a rua, com a identificação de zonas mais sensíveis.

Como resume Francisco Fonseca, a governação da segurança baseia-se “principalmente na descentralização da segurança, na cooperação internacional e na privatização da segurança” (Fonseca, 2010, p. 86).

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. O primeiro post foi este: Políticas Públicas, uma nova forma de governar. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:

CHAVES, Carlos (2011), “Sistema de Segurança Nacional – Ensaio de uma nova visão”, in Segurança e Defesa, Julho/Set de 2011, p. 16 a 21.
FONSECA, Francisco José Seixas (2010), “A evolução das políticas públicas de segurança interna em Portugal, na era da globalização”, Lisboa, ISCSP.
LARA, António de Sousa (2004), Ciência Política – Estudo da Ordem e da Subversão, Lisboa, ISCSP.
LEANDRO, José Eduardo Garcia (2002) “O Estado, o cidadão e a segurança. Novas soluções para um novo paradigma”, Segurança e Defesa, Fev. 2002, p. 12 a 19.
MCINTOSH, Malcolm e HUNTER, Alan (2010), “Novas perspectivas de segurança humana”, Greenleaf Publishing, Sheffield.
PEREIRA, Oliveira (2009), “É fundamental recriar uma cultura de respeito pela autoridade do Estado”, in Segurança e Defesa, Set./Nov 2009, p. 10 a 13.
SANTOS, Nelson (2011), “Sentimento de Insegurança e Estado de Direito o espectro axial da relação Liberade e Segurança”, Segurança e Defesa Abr/Jun 2011, p. 70 a 81.

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