sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O cidadão e o seu papel na Segurança

“Muitas vezes a liberdade dos cidadãos só pode ser verdadeiramente consumada se houver segurança para ser exercida, assim como a segurança como direito tantas vezes só ganha real valor se for vivida em contexto de liberdade” (Gouveia, 2007/2008, p. 28), O cidadão procura atingir um sentimento de segurança, algo impossível devido a crescentes fenómenos criminosos transnacionais aliados à globalização. Daí que o desafio das autoridades, em regimes democráticos, seja desenvolver uma expectativa de segurança. Como lembra Augusto Santos Silva, antigo ministro da Defesa, “as “sociedades abertas têm maior incerteza e risco do que as sociedades autoritárias e fechadas” (Silva, 2010, p. 12). Pelo contrário, em regimes autoritários a arma é jogar com o medo dos cidadãos, oferecendo-lhes segurança em troca da perda de liberdades.

Efectivamente, quando existia apenas o terrorismo doméstico com alvos selectivos, como políticos, empresários, agentes das forças de segurança, como fazia a ETA, a situação não era entendida como um problema de segurança pública, pois não havia o risco de a população ser atacada, ainda que se tratasse de uma ameaça permanente. Esses ataques tinham como objectivo, tal como todo o terrorismo, de chamar a atenção para alguma reivindicação política, mas nestes casos específicos até podiam contar com a anuência de alguns cidadãos que também contestavam o sistema vigente. O aumento do terrorismo indiscriminado quanto aos alvos e quanto ao modus operandi, sendo uma prática comum ataques a locais com muita gente, tem efeitos na definição das políticas públicas de segurança, já que constitui uma espécie de 'guerra' em que o inimigo, os cidadãos, devem ser apanhados desprevenidos.

Como actor permanente das políticas públicas de segurança, o cidadão deve também preocupar-se com a sua prestação enquanto avaliador e, sobretudo, enquanto promotor. Oliveira Pereira frisa que “o cidadão pode e deve, sempre, colaborar e cooperar com as políticas. O cidadão pode e deve ser fonte de comunicação das inseguranças, constituir-se sempre como factor decisivo e fundamental para a edificação e consolidação da segurança, ultrapassando os obstáculos que o inibem de agir, como o receio, a dúvida, a indiferença ou mesmo o desconhecimento do dever de contribuir para a salvaguarda da paz social”, frisa Oliveira Pereira (Pereira, 2009, p. 12). Augusto Santos Silva fala mesmo numa “responsabilidade social da comunidade como um todo, assim como a responsabilidade individual de cada um na promoção das condições de segurança e defesa” (Silva, 2010, p. 9). Neste sentido, o ex-responsável pela tutela da Defesa mostra-se a favor do regime de conscrição, porque os cidadãos são “co-responsáveis pela defesa da sua pátria e da liberdade colectiva” (Silva, 2010, p. 11). Se o cidadão não for efectivamente envolvido, alerta Garcia Leandro, “e se continuarmos com a proverbial desorganização nacional, receio de assumir responsabilidades, política de capelinhas e indisciplina individual e colectiva, mitos amargos de boca vamos continuar a ter” (Leandro, 2002, p. 17).

O mesmo autor chama a atenção que há alguns que trabalham bem para a segurança, mas “no seu micro universo”, “sobre si próprios” (Leandro, 2002, p. 18), o que acaba por não contribuir verdadeiramente para o aumentar da segurança do país. Além disso, o cidadão, tendo individualmente pouco espaço no campo de acção da segurança, deve procurar sempre unir-se em grupos com as mesmas ideias e as mesmas possibilidades de actuação, sendo que quanto maior esses grupos maior influência terão, bem como espaço na comunicação social, para conseguir ver as medidas de segurança que deseja implementadas. “Uma das vantagens da comunidade é a existência de sinergias na prestação de serviços impossíveis de ser obtidas por cada um individualmente”, reforça João Bilhim (Bilhim, 2008, p. 106).

Neste incontornável envolvimento do cidadão, Garcia Leandro chama a atenção para a necessidade de cada vez mais as “minorias étnicas e os grupos sociais de risco” serem chamados a intervir nas políticas públicas de segurança (Leandro, 2002, p. 18). Só assim se dará uma verdadeira participação susceptível de colher verdadeiros frutos e até evitar fenómenos de exclusão que descambem para comportamentos desviantes que ponham a segurança colectiva em causa.

Contudo, é preciso vincar que neste envolvimento do cidadão é necessário um longo trabalho de aliciação do Governo, devido ao descrédito em que tem caído a classe política por motivos vários, algo que se torna flagrante na demissão de muitos cidadãos do dever de votar. Garcia Leandro dá o exemplo da dependência cada vez maior dos governos em relação às empresas, num mundo em que cada vez mais são os mercados que dominam a política e não o contrário. Os governos eleitos são “cada vez mais dependentes da boa vontade das empresas para questões de investimento e emprego, o que escancara as portas para uma promiscuidade perigosa, para a natural corrupção, agravando a falta de confiança do cidadão comum na honestidade” dos que elegeram (Leandro, 2002, p. 13). Só com a construção de uma nova imagem da classe política, algo que pode demorar décadas e exigir muito bom senso e pulso firme perante pressões de vários sectores, é que os cidadãos vão sentir que vale realmente a pena aliar-se ao Governo na conquista de um maior sentimento de segurança.

Nelson Santos deu o exemplo do que se passou no Reino Unido, onde as autoridades reconheceram que a videovigilância tinha pouco efeito na diminuição da criminalidade e, como consequência definiram “como prioridade única da sua política criminal, em 2009, um conjunto de medidas visando aumentar a confiança dos cidadãos na polícia”. O objectivo desta orientação assenta no “reconhecimento de que a confiança na polícia é essencial para se alcançar a adesão dos cidadãos às políticas de prevenção e de combate da criminalidade e, simultaneamente, para diminuir o sentimento de insegurança” (Santos, 2011 p. 81).

Nota: Este texto faz parte de um trabalho académico sobre Políticas Públicas de Segurança e Mass Media realizado em Janeiro de 2012. O primeiro post foi sobre Políticas Públicas, uma nova forma de governar e o segundo foi sobre Políticas Públicas de Segurança. Obrigada por acompanharem.

Referências bibliográficas:
- BILHIM, João (2008), “Políticas públicas e agenda política”, in Revista de ciências sociais e políticas, nº 2, Jan.-Abr. 2008, p. 99 a 121.
- GOUVEIA, Jorge Bacear (2007/8), “O terrorismo e o Estado de direito: a questão dos direitos fundamentais”, in Segurança e Defesa, Dez 2007 a Fev 2008 p. 25 a 29.
- LEANDRO, José Eduardo Garcia (2002) “O Estado, o cidadão e a segurança. Novas soluções para um novo paradigma”, in Segurança e Defesa, Fev. 2002, p. 12 a 19.
- PEREIRA, Oliveira (2009), “É fundamental recriar uma cultura de respeito pela autoridade do Estado”, in Segurança e Defesa, Set-Nov 2009, p. 10 a 13.
- SANTOS, Nelson (2011), “Sentimento de Insegurança e Estado de Direito o espectro axial da relação Liberade e Segurança”, in Segurança e Defesa, Abr-Jun 2011, p. 70 a 81.
- SILVA, Santos Silva (2010), “A opinião pública não tem suficiente consciência da complexidade e centralidade das questões de segurança e defesa”, in Segurança e Defesa, Out-Dez. 2010, p. 8 a 13.

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