Como prometido, no âmbito do trabalho que apresentei sobre fundamentalismos enquanto problemas sociais, e depois de falar de fundamentalismo religioso e fundamentalismo étnico, fica aqui um texto sobre fundamentalismo de mercado, um problema que interessa abordar nesta altura de crise.
O fundamentalismo de mercado,
resultante da globalização, refere-se a uma crença exagerada de que
mercados livres são o melhor caminho para a equidade, para o sucesso e
para resolver todos os problemas sociais, considerando que os interesses
da sociedade são atingidos quando os participantes podem perseguir os
seus próprios interesses. Fundamentalistas de mercado possuem ideias
inabaláveis como por exemplo que mercados livres têm um equilíbrio
natural, maximizam a liberdade individual e são o único meio de promover
o crescimento económico.
Os fundamentalistas de livre mercado,
como todos os outros, são possuidores de certezas absolutas e encaram
os críticos das suas ideias como falsos economistas. Murray Rothbard,
considerado um fundamentalista de mercado, escreveu num artigo
intitulado “O desejo de morte dos anarco-comunistas”: Não é nenhum crime
ser ignorante sobre economia, que é, afinal de contas, uma disciplina
especializada que a maioria de pessoas considera uma 'ciência sombria'.
Mas é totalmente irresponsável ter uma opinião vociferante em assuntos
económicos ao permanecer neste estado de ignorância” (Carden e Hammock,
2009, p. 93).
Chris Knight entende que, à luz dos
fundamentalistas de mercado, a solução para quase todos os problemas
sociais é deixar morrer à fome o sector público na esperança de reduzir
os postos burocráticos corruptos e influentes.
Apesar de este
tipo de fundamentalismo ter muitos defensores no mundo ocidental, a
verdade é que muito recentemente, em 2008, uma crise económica veio
soltar alguns vozes dissidentes.
Depois da contaminação da
crise mundial motivada pela queda do Lehman Brothers, o executivo
norte-americano, tal como outros, foi obrigado a intervir para salvar a
economia. Nessa altura, o governo norte-americano “tornou claro que não
acredita que os mercados podem mesmo funcionar por si mesmos” (Stiglitz,
2009).
“Tal como a queda do Muro de Berlim marcou o fim do
Comunismo, o 15 de Setembro de 2008 marcou o fim do fundamentalismo de
mercado, ainda que a fraqueza dos dois sistemas fosse evidente muito
antes”, disse Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001, para
quem o fundamentalismo de mercado se trata de uma “religião, já que não
se baseia em nenhuma ciência económica nem em nenhuma evidência
histórica”. Como resultado deste fundamentalismo, o economista aponta
“um grande desfasamento entre os lucros privados e os retornos sociais”
(Stiglitz, 2009).
George Soros reforçou a posição do Nobel da
Economia ao afirmar que a concepção defendida pelos fundamentalistas é
“obviamente errónea porque foi a intervenção nos mercados, não a acção
livre dos mercados, que evitou que os sistemas financeiros entrassem em
colapso” (Soros, 2009).
Este género de fundamentalismo, apesar
de ser dos mais recentes, provocou desde logo efeitos na sociedade, ao
traduzir-se em cortes nas medidas sociais, como redução ou eliminação
total de creches e a criação de impostos regressivos. Chris Knight
considera que o fundamentalismo de mercado “infectou” o debate sobre as
alterações climáticas.
Taniguchi Shok chama a atenção para outro
problema decorrente da aplicação do fundamentalismo de mercado: o
aumento do suicídio entre gerentes de pequenas e médias empresas.
Repare-se que estas companhias têm dificuldades em, por exemplo, obter
crédito, ao passo que grandes empresas são grandemente ajudadas pelos
bancos e contam ainda com outros benefícios. No mesmo sentido, Henry C K
Liu diz que os “mercados não regulados resultam naturalmente no
surgimento de empresas monopolistas” e denuncia que o fundamentalismo de
mercado coloca uma “máscara sorridente” para a exploração económica”
(Liu, 2002).
Assim, desde logo se entende que o
fundamentalismo de mercado, para além de não permitir a existência de
outros sistemas económicos e de aniquilar progressivamente as pequenas
empresas, resulta numa má distribuição de riqueza e em desemprego, que
se traduz inúmeras vezes em criminalidade, doenças mentais e suicídio. O
fundamentalismo de mercado configura um problema social também na
medida em que diminui o espaço para apoios financeiros a sectores como a
Saúde e a Solidariedade Social, já que se baseia numa lógica em que
impera mais o indivíduo do que a sociedade.
Com o intuito de
combater os efeitos deste fundamentalismo, os líderes mundiais devem
tentar encontrar a medida certa entre a economia de livre mercado e as
várias situações sociais que não dependem de uma lógica meramente
economicista.
Referências bibliográficas:
CARDEN, Art e HAMMOCK, Mike (2009), “São os
economistas 'fundamentalistas de mercado'?”, Oxford, Institute of
Economic Affairs, Blackwell.
LIU, Henry C K (2002), “Comércio,
desenvolvimento e mercados 'monstruosos'” in
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:9PzEQaPAiKkJ:www.atimes.com/global-econ/DF20Dj01.html+%22market+fundamentalism%22+%2B+%22Social+problem%22&cd=9&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt&client=firefox-a
(Consultado em Janeiro de 2011).
STIGLITZ, Joseph (2009),
“Caminhando do fundamentalismo de marcado para uma economia mais
equilibrada”, in Annals of Public and Cooperative Economics, p. 345 a
360.
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