sexta-feira, 1 de junho de 2012

Fundamentalismo de mercado

Como prometido, no âmbito do trabalho que apresentei sobre fundamentalismos enquanto problemas sociais, e depois de falar de fundamentalismo religioso e fundamentalismo étnico, fica aqui um texto sobre fundamentalismo de mercado, um problema que interessa abordar nesta altura de crise.

O fundamentalismo de mercado, resultante da globalização, refere-se a uma crença exagerada de que mercados livres são o melhor caminho para a equidade, para o sucesso e para resolver todos os problemas sociais, considerando que os interesses da sociedade são atingidos quando os participantes podem perseguir os seus próprios interesses. Fundamentalistas de mercado possuem ideias inabaláveis como por exemplo que mercados livres têm um equilíbrio natural, maximizam a liberdade individual e são o único meio de promover o crescimento económico.

Os fundamentalistas de livre mercado, como todos os outros, são possuidores de certezas absolutas e encaram os críticos das suas ideias como falsos economistas. Murray Rothbard, considerado um fundamentalista de mercado, escreveu num artigo intitulado “O desejo de morte dos anarco-comunistas”: Não é nenhum crime ser ignorante sobre economia, que é, afinal de contas, uma disciplina especializada que a maioria de pessoas considera uma 'ciência sombria'. Mas é totalmente irresponsável ter uma opinião vociferante em assuntos económicos ao permanecer neste estado de ignorância” (Carden e Hammock, 2009, p. 93).

Chris Knight entende que, à luz dos fundamentalistas de mercado, a solução para quase todos os problemas sociais é deixar morrer à fome o sector público na esperança de reduzir os postos burocráticos corruptos e influentes.

Apesar de este tipo de fundamentalismo ter muitos defensores no mundo ocidental, a verdade é que muito recentemente, em 2008, uma crise económica veio soltar alguns vozes dissidentes.

Depois da contaminação da crise mundial motivada pela queda do Lehman Brothers, o executivo norte-americano, tal como outros, foi obrigado a intervir para salvar a economia. Nessa altura, o governo norte-americano “tornou claro que não acredita que os mercados podem mesmo funcionar por si mesmos” (Stiglitz, 2009).

“Tal como a queda do Muro de Berlim marcou o fim do Comunismo, o 15 de Setembro de 2008 marcou o fim do fundamentalismo de mercado, ainda que a fraqueza dos dois sistemas fosse evidente muito antes”, disse Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001, para quem o fundamentalismo de mercado se trata de uma “religião, já que não se baseia em nenhuma ciência económica nem em nenhuma evidência histórica”. Como resultado deste fundamentalismo, o economista aponta “um grande desfasamento entre os lucros privados e os retornos sociais” (Stiglitz, 2009).

George Soros reforçou a posição do Nobel da Economia ao afirmar que a concepção defendida pelos fundamentalistas é “obviamente errónea porque foi a intervenção nos mercados, não a acção livre dos mercados, que evitou que os sistemas financeiros entrassem em colapso” (Soros, 2009).

Este género de fundamentalismo, apesar de ser dos mais recentes, provocou desde logo efeitos na sociedade, ao traduzir-se em cortes nas medidas sociais, como redução ou eliminação total de creches e a criação de impostos regressivos. Chris Knight considera que o fundamentalismo de mercado “infectou” o debate sobre as alterações climáticas.

Taniguchi Shok chama a atenção para outro problema decorrente da aplicação do fundamentalismo de mercado: o aumento do suicídio entre gerentes de pequenas e médias empresas. Repare-se que estas companhias têm dificuldades em, por exemplo, obter crédito, ao passo que grandes empresas são grandemente ajudadas pelos bancos e contam ainda com outros benefícios. No mesmo sentido, Henry C K Liu diz que os “mercados não regulados resultam naturalmente no surgimento de empresas monopolistas” e denuncia que o fundamentalismo de mercado coloca uma “máscara sorridente” para a exploração económica” (Liu, 2002).

Assim, desde logo se entende que o fundamentalismo de mercado, para além de não permitir a existência de outros sistemas económicos e de aniquilar progressivamente as pequenas empresas,  resulta numa má distribuição de riqueza e em desemprego, que se traduz inúmeras vezes em criminalidade, doenças mentais e suicídio. O fundamentalismo de mercado configura um problema social também na medida em que diminui o espaço para apoios financeiros a sectores como a Saúde e a Solidariedade Social, já que se baseia numa lógica em que impera mais o indivíduo do que a sociedade.

Com o intuito de combater os efeitos deste fundamentalismo, os líderes mundiais devem tentar encontrar a medida certa entre a economia de livre mercado e as várias situações sociais que não dependem de uma lógica meramente economicista.

Referências bibliográficas:

CARDEN, Art e HAMMOCK, Mike (2009), “São os economistas 'fundamentalistas de mercado'?”, Oxford, Institute of Economic Affairs, Blackwell.
LIU, Henry C K (2002), “Comércio, desenvolvimento e mercados 'monstruosos'” in http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:9PzEQaPAiKkJ:www.atimes.com/global-econ/DF20Dj01.html+%22market+fundamentalism%22+%2B+%22Social+problem%22&cd=9&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt&client=firefox-a (Consultado em Janeiro de 2011).
STIGLITZ, Joseph (2009), “Caminhando do fundamentalismo de marcado para uma economia mais equilibrada”, in Annals of Public and Cooperative Economics, p. 345 a 360.

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