segunda-feira, 28 de maio de 2012

Fundamentalismo étnico

No âmbito do trabalho académico que fiz sobre fundamentalismos, já expliquei aqui porque é que os fundamentalismos são problemas sociais e abordei o fundamentalismo religioso. Em próximos posts falarei ainda de fundamentalismo de mercado e fundamentalismo ecológico. Por agora, deixo umas linhas sobre fundamentalismo étnico. Obrigada por acompanharem.

É necessário desde logo referir que para além de traços físicos semelhantes que os unem, os elementos de um grupo étnico reivindicam uma estrutura social, política e um território.
Este tipo de fundamentalismo, que chega a assumir pretensões separatistas e a levar os seus defensores a ocuparem lugares políticos em parlamentos, propõe um regresso ao conjunto de características tradicionais de um grupo que acabou por 'perder-se' dentro de um aglomerado maior, que se impôs pela diversidade cultural, social e económica. Neste sentido, como explica Lynn Freeman, os fundamentalistas étnicos vêem-se como parte de uma “comunidade em perigo”, por isso envolvem-se em activismos e projectos políticos, sendo orientados de uma forma pragmática para o futuro, mais do que pela espiritualidade (Freeman, 1996, p. 57).

Carlos Diogo Moreira esclarece  que “a questão étnica reaparece constantemente como problema antropológico cada vez que os homens se socorrem, para seu reconhecimento, da sua identidade cultural”, sendo que “nestas ocasiões os grupos humanos insistem nas suas particularidades e tornam-nas relevantes no contacto com outras identidades” (Moreira, p. 6 e 7).

Ao falar de fundamentalismo étnico, recorde-se que os problemas sociais são vistos como resultado de “uma quebra das regras e do controlo social (...) causados sobretudo pelo processo de migração e mudança social rápida (Ritzer, 2007, p. 4498).

Francisco Fernández-Buey dá conta de uma realidade psicológica que ainda agrava mais todo o tipo de fundamentalismos: “pretendemos caracterizar a todos os membros de uma cultura que não a nossa com um só traço negativo” e “reservamos as matizes, o reconhecimento de ambivalências e ambiguidades para quando falamos dos 'nossos'” (Fernández-Buey, p. 3). Não é, portanto, de estranhar que o fundamentalismo negue o pluralismo.

Hélder Santos Costa chama a atenção que quando o fundamentalismo chega ao aparelho estatal, o Estado passa a organizar-se com base num suporte ideológico, neste caso a defesa de uma étnica, dando o exemplo do Nazismo, na Alemanha, e do “Apartheid”, na África do Sul, (Costa, 2006, p. 250 e 251).

O Partido Nazista associava o conceito de identidade nacional à raça ariana do povo germânico, considerando-a superior, através do princípio da unidade étnica, com o objectivo de elevar o moral e o orgulho do povo alemão, humilhado pela derrota na I Guerra Mundial. Com o intuito de destacar a raça ariana, o executivo de Adolfo Hitler entendia que devia conquistar mais território e perseguir os povos não arianos - vistos como inimigos -, para além de apostar na natalidade. Este fundamentalismo étnico, provavelmente o mais flagrante, traduziu-se num dos mais graves problemas sociais, já que levou a um dos maiores genocídios da História.

Já o “Apartheid”, aplicado por um governo de maioria branca que privou os negros da sua cidadania sul-africana e forneceu-lhes serviços públicos de pior qualidade, gerou bastante violência.  Além deste problema social, provocou ainda danos económicos, com alguns países a aplicarem um embargo comercial contra a África do Sul.

São inúmeros os exemplos de fundamentalismos étnicos na História, que, não raras vezes, estão ligados a fundamentalistas religiosos, como acontece no 'eterno' conflito na Faixa de Gaza, entre israelitas e palestinianos.

Joyce A. Green nota que o fundamentalismo leva a processos políticos rígidos susceptíveis de transgredir os direitos humanos (Green, 2003, p 1), como o provou o Nazismo, que cometeu vários crimes contra a humanidade. A mesma autora faz a ligação entre o fundamentalismo étnico e fundamentalismo nacionalista, que se torna problemático em estados com múltiplas nações (Green, 2003, p. 5).

Com efeito, o Estado, que deveria colocar um travão em problemas sociais, como os fundamentalismos de toda a ordem, é muitas vezes responsável pelos mesmos, seja como actor ou como espectador passivo. Josep Ramoneda, citado por Marilena Chauí, fala num “empenho para construir um novo inimigo, porque o medo é sempre uma ajuda para o governante”, que consegue assim coesão nacional e, consequentemente, que o povo seja menos exigente quanto às medidas aplicadas dentro do país.

Veja-se que aliados ao fundamentalismo étnico estão, invariavelmente, outros situações de origem ideológica, como preconceito, racismo ou segregação, que separam a população e motivam problemas sociais de outra ordem, normalmente mais graves.

António de Almeida Santos alerta que, por exemplo, na União Europeia, “onde uma unificação de mercados esteve na base da erradicação de conflitos armados entre os respectivos Estados-membros, renascem conflitos étnicos e religiosos que fazem de novo apelo à violência armada”, frisando que a “limpeza étnica” estava “apenas adormecida”. “O Holocausto nazi não foi necessariamente o último”, avisa (Santos, 1998, p 181).

Urge assim aos Estados assumirem um papel essencial no sentido de unir etnias diferentes dentro de um território, respeitando a diferença de cada uma delas e encarando o multiculturalismo como um enriquecimento.


Referências bibliográficas:

- CHAUÍ, Marilena, “Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político”, in http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolconbr/Chaui.pdf  (Consultado em Janeiro de 2011).
- COSTA, Helder Santos (2006), Temas e problemas das ciências sociais: introdução às ciências sociais”, Lisboa, ISCSP.
- FERNÁNDEZ-BUEY, Francisco, “Emigrações e interculturalidade”, in http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.equintanilla.com%2Fweb_nueva%2Fprivado%2Fimagenes%2Femigraciones_e_interculturalidad.pdf&ei=4F0wTeiRC5Tw4gbzx7GMCg&usg=AFQjCNHmbAvlwBybNgyuuwZ9v5PFfeJEwA&sig2=UixP_7fF--kaeSRCTjtrjA (Consultado em Janeiro de 2011).
- FREEDMAN, Lynn P, (1996), “O desafio do fundamentalismo”, in Reproductive Health Matters, n.º 8, p. 55-69.
- GREEN, Joyce A. (2003), “Fundamentalismo étnico e cultural: o potencial da mistura de identidade, libertação e opressão”, Canadá, Instituto de Política Pública de Shaskatchewan da Universidade de Regina.
- MOREIRA, Carlos Diogo, “O fenómeno étnico e as relações interculturais”, Lisboa, Boletim da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, nº 19., p. 5-23.
- RITZER, George (ed.) (2007), The Blackwell Encyclopedia of Sociology, Wiley-Blackwell.
- SANTOS, António de Almeida (1998), Por favor, preocupem-se!, Lisboa, Editorial Notícias.

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