domingo, 8 de abril de 2012

Limitações na luta contra o terrorismo

A história ensina-nos que a luta contra o terrorismo é longa e difícil mesmo quando os terroristas operam a nível nacional e estão, por isso, mais vulneráveis à acção das autoridades.

Um erro da luta antiterrorista prende-se com respostas aparentemente pouco premeditadas que levam países paradigmáticos da liberdade e da justiça a retrocederem. A crescente procura de segurança nas sociedades ocidentais, onde as populações 'cegam' perante uma 'nuvem' de medo, parece permitir que os governantes “adoptem práticas arbitrárias em prol da promoção da segurança” (Rodriguez, 2009, p. 95). Ignacio Ramonet exemplifica que alguns norte-americanos chegaram a “propor que certos acusados fossem extraditados para países amigos, de regime ditatorial”, para que a polícia local os pudesse interrogar com métodos “violentos, expeditos e eficazes” (Ramonet, 2002, p. 56). Isso não aconteceu, mas o presidente norte-americano revogou uma decisão de 1974 que proibia a CIA de assassinar dirigentes estrangeiros para que a polícia norte-americana pudesse matar os chefes da Al-Qaeda, esquecendo as normas internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional, alerta o mesmo autor (Ramonet, 2002, p. 57), segundo o qual, nesta guerra contra o terrorismo, outros países, como o Reino Unido, a Alemanha ou a França, também reforçaram as suas legislações repressivas.

Mais grave do que a “detenção em condições desumanas de centenas de prisioneiros de guerra (Ribeiro, 2005) e o facto de as autoridades norte-americanas pedirem 'a cabeça' de terroristas, é a falta de questionamento por parte da comunidade internacional perante situações como esta. Ainda recentemente, a morte do líder da Al-Qaeda, a 1 de Maio de 2011, levada a cabo por tropas norte-americanas, foi recebida com elogios, quando o que se pedia era um julgamento. Note-se que as vozes que se levantaram em defesa de uma acção judicial contra os EUA por este assassinato tiveram uma expressão nula.

Noam Chomsky ironiza que “ninguém tem o direito de se defender de um ataque terrorista norte-americano”, porque os EUA são “um Estado terrorista por direito” (Chomsky, 2003, p. 187).

A facilitar este caminho está o facto de o terrorismo ainda não se encontrar incluído no estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI), nem autonomamente, nem integrando a noção de crimes contra a humanidade. Tal evitaria a “impunidade ao terror” (Ruiz, 2005, p. 156). A própria “reacção violenta da única superpotência dos nossos dias” face ao TPI reflecte “a necessidade por vezes desesperada de manutenção de status quo de um modelo que pretende conservar os estados como os actores dominantes das relações internacionais” (Escarameia, 2003, p. 239).

Tribunal Penal Internacional, em Haia. Créditos: http://in2eastafrica.net
Jean-Louis Bruguière alerta ainda para as diferenças entre as legislações dos países que se unem na luta antiterrorista e para a falta de partilha de informações operacionais dos Estados, apesar de os grandes países ocidentais terem “bons serviços de informações” (Bruguière, 2002, p. 42). “A vontade de cooperar com outros Estados resulta complicada já que nenhum país está disposto a ceder informação que possa ser útil para a salvaguarda dos seus interesses nacionais”, reforça Julia Pulido Gragera (Gragera, 2005, p. 288).

Cindy C. Combs entende que a lei internacional, como ferramenta para combater o terrorismo, parece um pouco dúbia (Combs, 2003). Enquanto a justiça penal internacional continua a ser um “recurso último” e “irregular”, os poderes da ONU permanecem “limitados e frequentemente de alcance meramente técnico” (Hoffmann, 2002).

Ainda assim, talvez o facto de alguns Estados estarem mais preocupados em manter a sua soberania do que em submetê-la a mandatos internacionais para um bem comum continue a ser o maior desafio a uma cooperação efectiva no campo da segurança.

Para Stanley Hoffmann, Washington não compreendeu que é perigoso cair no unilateralismo, pensando que o poder é suficiente. As obrigações internacionais oferecem melhores oportunidades de liderança do que as atitudes de desprezo em relação aos pontos de vista dos outros, acrescenta (Hoffmann, 2002).

Com efeito, se houve um sentimento de solidariedade por parte de toda a comunidade internacional logo após o 11/9, num segundo momento, notou-se que alguns países passaram a apresentar certas ressalvas, algo que não incomodou a postura dos norte-americanos na sua luta antiterrorista. A cooperação existente mostrou assim a sua fragilidade.

Efectivamente, os EUA, virando as costas a uma solução da comunidade internacional ou legal, apostaram na sua “política militar unilateral”, com o objectivo último de manter a sua “hegemonia mundial” (Ferreira, Mocito e Mendes, 2000, p. 102). Importa ainda dizer que a intervenção no Afeganistão serviu também os interesses geopolíticos norte-americanos e da indústria militar do país.

As “falhas na construção de um mecanismo transnacional para suprimir o terrorismo internacional podem resultar em respostas unilaterais dos estados vitimas” que acabam por usar métodos iguais aos que denunciam por faltar efectivas de medidas de sanção (Higgins e Flory, 1997, p. 33). Os antiterroristas podem, assim, tornar-se “hipócritas em relação” à sua causa (tal como os islamistas) e arriscarem-se “a apagar a distinção entre guerreiros e não combatentes” (Ken e Dunne, 2002, p. 13).

Além das medidas antiterroristas que têm sido tomadas, note-se que a luta contra o terrorismo é per si potencialmente desastrosa para o desenvolvimento económico e para a globalização porque limita a mobilidade e os fluxos financeiros. Stanley Hoffmann escreve que medidas enquadradas no antiterrorismo podem “abrir caminho a uma reacção antiglobalização só comparável à multiplicação de nacionalismos na década de 1930” (Hoffmann, 2002).

Quando o interesse político dita o interesse nacional

Numa confusão entre interesse nacional e interesse político, o antiterrorismo por vezes serve também o propósito de desviar as atenções de outros temas, já que em questões que aparecem na opinião pública como de interesse nacional e de defesa, quem mostrar divergências políticas tem de apresentar um bom motivo.

Por vezes, em acções movidas pela sede de vingança da população, pela procura de desviar as atenções ou por agir sem premeditar, acaba por ser a população vítima de novos ataques terroristas.

Ao falar de política, é ainda de ter em atenção que os políticos pensam em resolver os problemas num curto prazo. Deste modo, por exemplo, enquanto uma vitória numa guerra ajuda a conseguir um bom resultado nas eleições, a manutenção de tropas num país onde se presume existirem terroristas para além do tempo estipulado inicialmente e com muitas vidas perdidas, desgasta a confiança da sociedade no governo.

A agravar a situação política e de segurança nesta luta contra o terrorismo, e sobretudo depois do 11/9, cada vez mais os políticos alimentaram o sentimento anti-ocidental ao tomarem medidas discriminatórias em relação a estrangeiros. Um relatório da Open Society Institute, apresentado em Dezembro de 2009, deu conta que a discriminação contra muçulmanos está a aumentar na Europa, uma situação que só potencia novos ataques terroristas de origem islamista.

Em suma, a luta contra o terrorismo tem sido condicionada por “impulsos da necessidade do momento”, por isso, pode ser caracterizada de “reactiva” e não de estratégica (Díaz, 2007, p. 8).

Referências bibliográficas:

BOOTH, Ken e DUNNE, Tim (2002), Mundos em colisão: terror e o futuro da ordem global, Nova Iorque, Palgrave Macmillan.

BRUGUIÉRE, Jean-Louis (2002), “O desafio da ameaça islamita no limiar do século XXI: riscos e processo de reacção”,  CEJ, Brasília, n. 18, p. 38-42.

CHOMSKY, Noam (2003), Piratas e imperadores velhos e novos: terrorismo internacional no mundo real, Lisboa, Europa-América.

COMBS, Cindy C. (2003), “Terrorismo no século XXI", Upper Saddle River, NJ:, Prentice-Hall.

DÍAZ, José Enrique (2007), “Cooperação e colaboração internacional na luta contra o terrorismo”,  Real Instituto Elcano, ARI Nº 29/2007, 5/03/2007.

ESCARAMEIA, Paula (2003), O direito internacional público nos princípios do século XXI, Coimbra, Almedina.

HIGGINS, Rosalyn e FLORY Maurice (1997), Terrorismo e lei internacional, Londres, Routledge.

FERREIRA, Álvaro, MOCITO, Filipe e MENDES, Nuno (2000), "A legitimidade dos Estados Unidos da América nas relações internacionais", Alpiarça, Garrido-Artes Gráficas.

GRAGERA, Julia Pulido (2005), “A cooperação internacional entre serviços”, in  http://arbor.revistas.csic.es/index.php/arbor

HIGGINS, Rosalyn e FLORY Maurice (1997), Terrorismo e lei internacional, Londres, Routledge.

HOFFMANN, Stanley (2002), “Choque de globalizações”, Foreign Affairs em Espanhol, Outono-Interno de 2002.

RAMONET, Ignacio (2002), Guerras do século XXI: novos medos, novas ameaças, Porto, Campo das Letras.

RIBEIRO, Manuel de Almeida (2005), “O Direito da Nova Ordem Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora.

RODRIGUEZ, Júlio César Cossio (2009), “Cooperação de segurança transatlântica: as relações entre os EUA e a UE após o 11 de Setembro de 2001”, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

RUIZ, Fernanda (2005), “O julgamento de actos de terrorismo pelo Tribunal Penal Internacional”, in Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, nº. 44, p. 139-156.

Nota: Texto escrito em Junho de 2011.

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